27.11.08

Sobe

Jorrou as últimas lágrimas diante de quem não merecia. Consumiu seus derradeiros gestos em busca do que nunca alcançaria. Elevou-se ao topo da humilhação após ensaiar um nada-a-perder. E lá, debruçado sobre o parapeito do décimo andar, calculou o quanto de culpa cada um dos responsáveis pela sua desgraça carregaria pelo resto da vida. Por um momento, acovardou-se. Avaliou o estrago ao descer na recepção do prédio e ver o local onde teria caído. Sentiu prazer, como se visse realizado seu desejo de vingança. E assim, saiu pela rua a pensar na repercussão de seus atos, deixando sempre claro para si mesmo que ainda não havia desistido.
Parou num bar, encheu um copo, respirou, engoliu e sentiu algo estranhamente bom. Olhou para o lado e viu que ela o observava. Um sorriso. A retribuição do sorriso.
Estavam renovados seus estoques de lágrimas e gestos, e construiu-se mais um andar em seu edifício.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom, gostei, como é difícil escrever, não? Dizer o dito pelo não-dito, fazer-se entender pelas entrelinhas, criar situações, personagens e lugares.
E agora? Por que o suicídio? Quem era a mulher no bar? Por que um sorriso feminino mudaria tudo? Por que outros seriam culpados pela sua desgraça? Não seria isso imaturo?
De novo a discussão da manhã: quem escreve (para alguém) espera apenas expor-se ou filtrar sentimentos coletivos?
Luzia.